panda

Comunicado conjunto da ACAPO, Acesso Cultura e Bengala Mágica:

As crianças com deficiência visual (cegas ou com baixa visão) gostam do Panda e de tudo o que outras crianças gostam; são igualmente curiosas e querem participar. No entanto, raramente as encontramos nos teatros, nos cinemas e noutros espaços culturais e eventos, porque não existem condições de acesso.

O caso mais recente, mas não único, é de uma família de quatro que quer ver o espectáculo “Panda e os caricas”, promovido pela Universal Music Portugal. Um dos filhos tem baixa visão e precisa de ficar na primeira fila para ter acesso. No entanto, esses são os lugares mais caros e a família não considera justo ter que pagar mais para dar resposta às necessidades do filho. Aliás, nem deveria ser obrigada a isso. A prática de encaminhar pessoas com deficiência para os lugares mais caros das salas porque só estes garantem condições de acesso é discriminatória. A promotora do evento foi contactada pela mãe da criança e pelas nossas associações. Recebemos uma resposta seca, que revela total ausência de empatia ou sentido de responsabilidade, afirmando que “O assunto está a ser tratado”. Soubemos através da mãe que a Universal ofereceu um convite para o filho (caso ainda houvesse lugares na primeira fila, mas parece que já não há), insistindo, no entanto, que os pais pagassem o valor dos bilhetes correspondente à essa fila (ou seja, o valor mais caro). Nas palavras da mãe desta criança, Elizabeth Deschauer, “Estas crianças também adoram o Panda e deixam de ir porque não têm acesso. Não pensar em recebê-las da melhor forma, sem que elas tenham de pagar mais por isso, é não pensar nas necessidades delas. Lutamos por um mundo inclusivo! Não estou a pedir caridade!”.

A associação Bengala Mágica (associação de pais, amigos e familiares de crianças, jovens e adultos cegos e com baixa visão), criada em 2017, confirma que este não é, obviamente, um caso único. As crianças e jovens com deficiência visual estão ausentes porque não têm condições de acesso e não porque não querem ou não estão interessadas. “Isto são situações injustas e altamente penalizantes com que se deparam as famílias e crianças/jovens com deficiência visual.”

As visitas a exposições são outra das actividades altamente condicionadas. Há uns meses, uma família quis levar o seu filho, cego e amante de Legos, para ver uma exposição de modelos. Procurou saber se a criança poderia tocar nos modelos para os poder “ver”. A resposta foi que não seria possível pois todos os modelos estavam dentro de vitrinas. Os cinemas são outra ‘dor de cabeça’ para os pais. Não há nos cinemas filmes que tenham audiodescrição. As crianças com deficiência visual, tal como todas as outras, querem passar pela experiência de ir ao cinema e ver os filmes mais “badalados” do momento, mas também aqui se vêem confrontadas com a deficiência do acesso.

“Era bom que os pais soubessem que podem reclamar”, afirma a associação Bengala Mágica, “e que, ao fazê-lo, não estão a pedir nenhum favor. Muitos pais não o fazem apenas por desconhecimento. Tornar estas situações visíveis poderá ajudar outros pais a perceberem que se devem manifestar.”

A ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, entidade de âmbito nacional que representa as pessoas com deficiência visual, criada em 1989, considera lamentável que a discriminação comece a afectar as pessoas com deficiência visual logo desde tenra idade. Aceder aos mesmos espetáculos que qualquer outra criança é ainda mais importante quando estamos a crescer, pois é aí que se desenvolve uma cultura de inclusão e de plena participação de todos. Se logo aí começamos a impor sacrifícios adicionais, então que bom exemplo se pode esperar de uma figura como o Panda na promoção de uma cultura de verdadeira inclusão?

A associação Acesso Cultura existe desde 2013 para promover o acesso – físico, social e intelectual – à participação cultural. “A programação cultural para crianças e jovens com deficiência visual é muito limitada. São poucos os espaços culturais em Portugal que integram regularmente recursos como a audiodescrição e os materiais tácteis nos seus espectáculos e outras actividades. Ocorre-nos referir como exemplos o LU.CA – Teatro Luís de Camões, o São Luiz Teatro Municipal ou o Teatro Nacional D. Maria II, todos em Lisboa. Existem ainda algumas outras iniciativas, mas são pontuais. São ainda menos os espaços culturais que zelam para proporcionar as devidas condições de acesso a pessoas cegas ou com baixa visão, que muitas vezes são encaminhadas para os lugares mais caros, e obrigadas a pagar o respectivo valor (mesmo que haja outras opções no escalão de preços), porque esses garantem melhores condições de acesso.

Assim, os problemas principais e mais frequentes são:

  • A falta de acessibilidade nomeadamente soluções de audiodescrição, visita ao backstage, exploração táctil, lugares reservados de acordo com as condições de visibilidade da pessoa (uma criança com baixa visão – visão inferior a 30% sem correção – necessita de estar o mais próximo possível do palco ou do local onde decorre o evento);
  • A falta de sensibilidade/ vontade dos organizadores de eventos para que, mesmo não tendo condições de acessibilidade, possibilitem a participação das crianças e suas famílias, nas melhores condições possíveis e em diálogo com elas.

A participação cultural é um direito constitucional em Portugal, que se aplica a todos de igual forma. Portugal ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que prevê o compromisso de todos, públicos e privados, na promoção da participação de todas as pessoas na vida cultural, em condições de igualdade. A Lei n.º 46/2006 (que proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência) e o Decreto-Lei n.º 163/2006 (para a acessibilidade e estabelecimentos que recebem público) consagram estes direitos de participação em plenas condições de igualdade. Os profissionais da área da Cultura têm guias como A participação cultural de pessoas com deficiência e incapacidade: como criar um plano de acessibilidade” (editado pela Acesso Cultura), “Acessibilidade em eventos” (editado pela Accessible Portugal) ou “Como criar eventos mais acessíveis (editado pela ACAPO), onde podem encontrar orientação, mas poucos os procuram ou implementam as boas práticas sugeridas. A Acesso Cultura afirma que “Entidades como o Ministério da Cultura, a Inspecção-Geral das Actividades Culturais e a Secretaria de Estado para a Inclusão das Pessoas com Deficiência têm sido repetidamente informadas sobre as situações de discriminação que se vivem no terreno, mas ainda não nos responderam nem tomaram uma posição”.

A Provedoria da Justiça, graças a uma queixa apresentada pela activista Raquel Banha em 2017, pronunciou-se em Outubro de 2021, considerando as práticas de encaminhar as pessoas com deficiência para os lugares mais caros ou a obrigação de comprar um segundo bilhete para o assistente pessoal discriminatórias. Os organismos do Estado acima referidos foram devidamente informados, mas continuam silenciosos.

O acesso de crianças e jovens com deficiência visual (cegos e com baixa visão) não é um favor que a sociedade possa ou não escolher fazer. Os pais não reivindicam a gratuitidade dos espectáculos/eventos, mas, sim, as mesmas condições de acesso e participação que são dadas às demais crianças e famílias. Pedem respeito, reafirmando o seu direito de ter acesso e de participar plenamente na vida cultural da sociedade, sem terem que ser prejudicadas por não verem ou verem menos que as outras crianças. São crianças e jovens que, como quaisquer outros, têm o direito de sonhar, divertir-se, imaginar-se em palco ou em funções criativas nos bastidores. A sociedade portuguesa deve perceber que está a colocar barreiras aos seus sonhos e imaginação, mas também às suas capacidades, todos os dias. Com isto, perdemos todos.

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