
A propósito da criação da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses e do critério da acessibilidade no processo de credenciação, a Direcção da Acesso Cultura enviou o seguinte email ao Ministério da Cultura e à Direcção-Geral das Artes:
Ex.ma Senhora Ministra da Cultura
Doutora Graça Fonseca
Ex.mo Senhor Diretor Geral das Artes
Dr. Américo Rodrigues
A apresentação da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses é um motivo de satisfação para a Acesso Cultura. A iniciativa é prova da intenção de olhar para o sector de forma estratégica, de apostar na qualificação de espaços e equipas, na colaboração entre equipamentos, e de investir na qualidade das programações e da relação com as populações locais. A credenciação já de mais de 80 equipamentos mostra que o próprio sector valoriza a iniciativa e deseja fazer parte dela.
Desde que foi anunciada a intenção de criar a RTCP, a Acesso Cultura procurou sensibilizar o Ministério da Cultura, através da Direcção-Geral das Artes, em relação a erros cometidos aquando da criação da Rede Portuguesa de Museus, no início dos anos 2000. Estamos a falar concretamente da credenciação de museus que não cumpriam a lei da acessibilidade, apesar deste ser um dos critérios de adesão. Ao longo dos anos, e com a entrada de vários novos membros, o critério deixou de ser um critério e, conforme resposta da Direcção-Geral do Património Cultural a 2 de Março de 2018 (CS 1247793), esta entidade passou a fazer recomendações “numa perspetiva construtiva e pedagógica e não na penalização do eventual não cumprimento de normas legais”. A ideia de que alguns destes espaços iriam tornar-se acessíveis a partir do momento que teriam acesso a financiamento provou ser uma ilusão. O direito de acesso das pessoas com deficiência continua a ser ignorado em diversos museus que fazem hoje parte da RPM, num claro incumprimento das leis 46/2006 (que proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde) e do Decreto-Lei 163/2006 (que aprova o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais).
Foi com agrado que vimos como um dos critérios para a adesão à RTCP o cumprimento do DL 163/2006. Antes do anúncio do concurso, chamámos novamente a atenção para a falta de conhecimento entre os agentes do sector do que significa “acessibilidade” e dos requisitos concretos definidos pela lei.
Com o anúncio dos primeiros equipamentos credenciados, ficámos surpreendidos com a quantidade de teatros e cineteatros que terão afirmado ser acessíveis. Numa reunião com a Direcção-Geral das Artes, ficámos a saber que bastou uma declaração sob compromisso de honra para atestar o cumprimento da lei. Acreditando nas melhores intenções de todas as partes envolvidas, voltamos a afirmar que de acordo com o nosso conhecimento do terreno, a maioria dos agentes desconhece os requisitos específicos da lei e ignora o que pode constituir barreira.
Lamentamos que este processo venha a causar novamente frustração e desilusão entre as pessoas com deficiência (público e profissionais do sector) e todos os profissionais que desejam cumprir as suas obrigações e trabalhar para a criação de espaços acessíveis e inclusivos. Lamentamos que possa contribuir para a ilusão de que todos os teatros e cineteatros credenciados sejam acessíveis.
Considerando a boa relação que a Acesso Cultura mantém com a Direcção-Geral das Artes (aberta, respeitosa, sincera, empenhada), disponibilizámos uma lista (não exaustiva) dos requisitos legais, para que os espaços credenciados possam responder com maior conhecimento sobre o cumprimento (ou não) dos mesmos.
A criação da RTCP deve ser uma oportunidade para fazer um mapeamento e apoiar tanto os espaços que não cumprem as condições de acessibilidade (o que deveria acontecer antes destes integrarem a Rede), como aqueles que necessitam de melhorias. É também uma oportunidade para conhecer melhor os espaços que cumprem a lei e que podem criar sinergias com outros.
A Acesso Cultura continua disponível para colaborar com os conhecimentos e experiência que tem. Desejamos contribuir para a construção de um sector acessível, inclusivo, equitativo. Não nos parece correcto avançar e apoiar financeiramente a programação dos espaços credenciados sem um conhecimento efectivo sobre as condições de acessibilidade aos mesmos e o cumprimento da lei. As pessoas com deficiência merecem melhor; têm direito a melhor.