Um visitante em frente a uma quadro.
Imagem: Acesso Cultura

Há dias, o Grupo de Projecto Museus no Futuro disponibilizou publicamente o seu relatório final (versão preliminar completa e sumário executivo).  A Acesso Cultura foi ouvida pelo Grupo na fase da consulta a várias entidades e profissionais, em Maio 2019. Agora, voltou a ser consultada para realizar uma leitura e enviar sugestões. Com a concordância dos colegas do Grupo, partilhamos aqui o retorno dado.

Sobre o relatório final (versão preliminar) do
Grupo de Projecto Museus no Futuro

A Acesso Cultura viu com muito agrado a criação do Grupo de Projecto Museus no Futuro (GPMF). Considerámos que a área dos Museus, Monumentos e Palácios (MMP) necessitava com urgência de ser vista de uma forma mais holística e ser alvo de um pensamento analítico e estratégico, que pudesse considerar questões centrais e intervenções essenciais – a curto, médio e longo prazo. Foi, por isso, com muito gosto e sentido de responsabilidade que a Acesso Cultura aceitou o convite para reunir com o GPMF em Maio de 2019 e que partilha agora a sua reflexão sobre o relatório final, na sua versão preliminar.

Em primeiro lugar, gostaríamos de realçar o sentimento de confiança que resulta da leitura do relatório. Torna-se evidente que foi feita uma análise rigorosa, por uma equipa de pessoas conhecedoras do meio.

De referir ainda que o relatório permite que mesmo pessoas menos ligadas ao meio dos MMP possam compreender o contexto em que estas instituições têm operado, os desenvolvimentos dos últimos anos, os avanços e os recuos. Assim, as recomendações não surgem num vácuo, mas são o resultado de um pensamento critico e conhecedor do caminho que tem sido feito até agora e daquilo que é preciso ainda fazer.

Por último, o relatório apresenta-se de forma clara e bem-estruturada, construido em torno de cinco eixos fundamentais, que concordamos que sejam essenciais para pensar os MMP em Portugal em 2020 e no futuro: Gestão de Museus; Redes e Parcerias; Transformação Digital; Gestão de Coleções; Públicos e Mediação.

As nossas sugestões incidem principalmente sobre o primeiro e quinto eixo. Consideramos que algumas considerações deveriam ser expressas de forma mais clara e firme, de forma a tornar-se verdadeiramente orientadoras na reflexão e na prática relacionadas com os museus no futuro; para que o futuro possa ser diferente na sua essência e para que possa haver mudanças há muito desejadas por vários profissionais dos museus.

Gestão de museus

  • Liderança: Criar as condições para um pensamento arrojado a nível de gestão dos MMP. Deseja-se que este pensamento e visão tenham um impacto sobre todas as áreas do museu. É preciso começar do topo pelo que – para além de considerarmos essencial que as pessoas responsáveis pela Direcção de museus tenham estudos em Museologia – é importante haver cursos de formação para construir e apoiar essa liderança (como, por exemplo, The Clore Leadership Programme no Reino Unido ou o DeVos Institute Arts Management Fellowship nos EUA).
  • Missão: A grande maioria dos MMP não tem uma missão concreta – curta, clara, concisa e individual. A maioria vê como missão a descrição do que faz, sem abordar as razões porque faz o que faz. Será necessário que cada entidade pense, formule e partilhe internamente e com o público a sua missão. Sem este trabalho, dificilmente se pode desenvolver um trabalho consistente e eficaz. Em Portugal, conhecemos o trabalho desenvolvido neste sentido pela Rede de Museus de VNFamalicão. Houve ainda um seminário da Acesso Cutura, Missão: porque é que fazemos o que fazemos, que será desenvolvido em breve num curso.
  • Relevância: A relevância do papel dos MMP na sociedade, assim como da sua oferta, é algo que também deve ser pensado a nível central, de gestão. O desejo e a obrigação da relevância implica mudanças a vários níveis: em primeiro lugar, de pensamento e depois também em termos de competências das equipas. As barreiras inibidoras referidas na página 64 do relatório têm muito a ver com o actual posicionamento dos MMP. O que mais se vê é MMP distantes das sociedades, alheios ao que se passa à sua volta e, por isso, pouco relevantes, limitados na sua capacidade de acção e reacção a assuntos e situações prementes, mas também no contributo que possam dar, sendo parte de uma rede de educação e formação de cidadania que envolve várias outras entidades. A relevância está, no nosso ver, intimamente ligada ao desenvolvimento da liderançaa neste sector, pelo que é um assunto que deve ser explorado a nível de formação.
  • Recursos humanos e diversidade: A diversidade em termos de público (pág. 63 – III.5.2) dificilmente será conseguida se não nos preocurmos em garantir a diversidade nas equipas dos MMP, entre quem neles trabalha e quem os pensa. Por esta razão, não bastará haver um programa de recrutamente jovem (variante idade), mas será necessário haver um esforço para incluir outras variantes (como a origem étnica ou a deficiência). Por experiência, sabemos que, para se atrair estas pessoas, não basta um anúncio a dizer que se aceitam candidaturas de todas as pessoas. Será ainda necessário haver formação concreta em diversidade e inclusão, conceitos muito falados mas sobre os quais existe pouca reflexão (em termos do seu impacto na forma como se dirige e se trabalha nos MMP) e ainda menos prática. Paralelamente, será necessário construir um sistema de incentivos para pessoas com perfis diferentes considerarem uma carreira nesta área (como, por exemplo, o programa Diversify da Museums Association em 2007, entre outros desenvolvidos no Reino Unido; o trabalho da empresa Sour Lemons; o trabalho do grupo de profissionais de museus Museum Detox).Ainda no que diz respeito aos recursos humanos, o relatório torna clara as conhecidas falhas, em especial a nível de vigilância – um dos principais problemas (pág. 43). Esta terá de ser uma das grandes apostas no futuro. Os horários aos fins-de-semana e as condições de trabalho nesta função não são muito apelativos. A legislação portuguesa permite gerir esta área com maior flexibilidade e imaginação, criando condições para um trabalho mais motivador e diverso.
  • Avaliação: Para além de melhorar os sistemas de estatística (e também garantir a apresentação atempada dos resultados, para que possam ser úteis ao meio), é preciso implementar métodos de avaliação qualitativa. Esta é necessária para poder interpretar os números e também avaliar o impacto dos MMP na sociedade (na pág. 63 é referido o impacto social, económico, cultural e educativo).

Públicos e mediação

De uma forma geral, as recomendações feitas neste capítulo parecem-nos boas e relevantes, mas o seu impacto será relativo, ou mesmo muito reduzido, se não resultarem de um pensamento e prática concretos a nível de gestão – em termos do que constitui relevância, diversidade e inclusão. Se não houver mudança estrutural a nível de gestão, as recomendações específicas sobre horários alargados, sistemas de bilhética online ou campanhas de divulgação não permitirão alcançar de forma decisiva e permanente a diversidade que se deseja em termos de público. Em Portugal, é urgente preocuparmo-nos com a relação dos MMP com os chamados “não públicos”, em especial os nacionais, e não apenas definir medidas que facilitam e melhoram a relação com quem visita.

Dito isto, teríamos a fazer algumas sugestões mais específicas:

  • Sugestão em termos de linguagem – o uso do termo “vulneráveis” (pág. 63): O uso do termo para se referir a imigrantes e migrantes, minorias étnicas, pessoas com deficiência (e não “pessoas portadoras de deficiência”, como está referido) não nos parece adequado. Muitas destas pessoas não se vêem desta forma nem a sua condição resulta necessariamente em vulnerabilidade. Mas é um facto que as vemos pouco nos MMP, pelo que deveriam ser públicos-alvo.
  • Criação de grupos de consulta comunitária (III.5.4.7 – pág.67): A ideia é boa, mas pensamos que devem ser considerados os seguintes factores: 1) É a diversidade dentro das equipas dos museus que permitirá criar relações mais próximas com as diferentes comunidades; se esta não for garantida, a eficácia do grupo consultivo será reduzida, sem esquecer que a iniciativa parte de pessoas sem afinidades com esses grupos; e 2) As comunidade não são corpos homogéneos, mono-culturas, identidades de uma face. Nesse sentido, parece-nos que a ideia de ter membros que representem diferentes áreas sociais, económicas, educativas e culturais será de difícil execução, a não ser que se crie um grupo bastante alargado, para ser considerado representativo.
  • Capacitação para o trabalho com diferentes públicos (III.5.4.9 – pág.67): Consideramos que esta capacitação deve também contemplar directores, conservadores e responsáveis de comunicação. A forma como a instituição comunica e se relaciona com o exterior (através das entrevistas dadas pela Direcção, das campanhas publicitárias, da programação pública, da forma como se interpreta as colecções, etc.) não depende apenas do trabalho dos mediadores e do pessoal de acolhimento. As barreiras são criadas por vários profissionais e de várias formas.

Almada, 28 de Julho de 2020

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