Imagem da mesa da conferência de imprensa

Por ocasião da 6ª edição da Semana Acesso Cultura (que se realiza nos dias 17 a 23 de Junho), depois de seis anos de trabalho continuado e convicta que a participação cultural está intimamente ligada à qualidade da nossa democracia, a Acesso Cultura decidiu realizar esta conferência de imprensa com o objectivo de:

  • Fazer um balanço destes seis anos de trabalho, em parceria com diversas entidades públicas e privadas em todo o país;
  • Celebrar as significativas melhorias conseguidas;
  • Reflectir sobre a contribuição passiva ou activa de diferentes agentes, culturais e outros, na perpetuação de práticas discriminatórias que impedem o acesso à participação cultural.

Somos uma associação de profissionais da cultura e de organizações culturais cuja missão é a promoção do acesso – físico, social, intelectual – à participação cultural.

Os nossos principais objectivos são:

  • Colocar as questões relacionadas com o acesso – físico, social e intelectual – no centro da reflexão e da prática do sector cultural;
  • Contribuir para a preparação técnica dos profissionais da cultura em questões de acesso de forma a promover a mudança no terreno;
  • Promover o diálogo e a reflexão sobre as questões de acesso em fóruns públicos;
  • Intervir publicamente sempre que o direito de acesso à cultura não seja respeitado.

Em primeiro ligar, gostaríamos de destacar três projectos, realizados com o apoio de outras entidades, que consideramos que criaram condições para a necessária mudança de mentalidades e práticas:

  • A jornada Acesso às artes: uma questão de gestão, organizada a 9 de Março de 2016 no Teatro Nacional D. Maria II com o apoio do British Council. Tratou-se de um encontro que juntou cerca de 100 profissionais e que ajudou a despertar consciências entre membros de Conselhos de Administração e directores de espaços culturais e que resultou em mudanças concretas em alguns desses espaços.
  • A realização das jornadas Além do Físico: barreiras à participação cultural em 2017, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Tivemos a oportunidade de organizar sessões de reflexão em todas as comunidades intermunicipais do país e nas regiões autónomas, indo além das rampas e casas de banho adaptadas e explorando outras barreiras, também sociais e intelectuais, pelas quais também o sector cultural é responsável. O relatório das jornadas encontra-se disponível no nosso website e pode ser usado por autarquias, gestores culturais e técnicos para se conhecer melhor a realidade do país e poder estabelecer prioridades.
  • O lançamento do website Cultura Acessível em Setembro de 2018, com o apoio da Fundação Millennium BCP. Este site procura reunir toda a informação sobre programação cultural acessível em Portugal. O objectivo é, por um lado, tornar o acesso a esta informação mais imediato e fácil para as pessoas que precisam; por outro lado, dar maior visibilidade às entidades culturais portuguesas que se esforçam para criar condições de acesso à sua programação.

As três entidades referidas aqui têm apoiado também noutros momentos a nossa actividade e gostaríamos de expressar a nossa gratidão por isso.

  • Foi a Fundação Millennium BCP que nos ajudou a introduzir as sessões descontraídas em Portugal. Trata-se de sessões de teatro, dança, cinema ou outro tipo de oferta cultural que decorrem numa atmosfera mais descontraída e acolhedora e com regras mais tolerantes no que diz respeito ao movimento e ao barulho na sala, permitindo, assim, a participação de indivíduos e famílias que preferem ou beneficiam de um ambiente mais descontraído num espaço cultural (por exemplo, pessoas com défice de atenção, pessoas com deficiência intelectual, pessoas com condições do espectro autista, pessoas com deficiências sensoriais ou de comunicação). Os primeiros teatros a aderir foram o Teatro São Luiz, o Teatro Maria Matos e o Teatro Nacional D. Maria II, todos em Lisboa. Mais tarde juntou-se o Teatro Nacional São João, o LU.CA Teatro Luís de Camões e ainda o Cinema São Jorge (no caso dos festivais MONSTRA, Indie e Doclisboa).
  • Foi graças ao British Council que a Acesso Cultura realizou em 2016 o seu primeiro curso de introdução à audiodescrição. A audiodescrição é uma faixa narrativa adicional para os cegos e pessoas com deficiência visual em geral, utilizadores de meios de comunicação visual, onde se incluem a televisão, o cinema, o teatro, a dança, a ópera e as artes visuais. Consiste num narrador que fala durante a apresentação, descrevendo o que está a acontecer (e que não é percetível através da audição) durante as pausas naturais do áudio. O curso de 2016 foi seguido de um seminário com especialistas ingleses. Mais tarde, em 2018, a Acesso Cultura investiu na formação de mais audiodescritores, dado o aumento na procura deste serviço.
  • Foi ainda com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian que em 2017 apresentámos a publicação “A inclusão de migrantes e refugiados: o papel das organizações culturais”, para além da disponibilidade que a Fundação tem mostrado para acolher várias das nossas conferências anuais, o que também constitui um grande apoio para nós.
  • De referir ainda uma parceria que, em 2017, permitiu levar cinco companhias de teatro e dança que representam a diversidade da sociedade portuguesa à conferência do IETM – International Network for the Performing Arts em Bruxelas. Isto aconteceu graças à Direcção-Geral das Artes e as companhias foram a CRINABEL Teatro, o Dançando com a Diferença, a Sociedade Artística Musical dos Pousos, o Teatro Griot e a Vo’Arte. Este encontro repetiu-se no Porto em 2018 e dele têm resultado várias outras parcerias e projectos para as companhias envolvidas.

Entretanto, têm sido múltiplas as parcerias criadas com entidades públicas e privadas (museus, teatros, galerias, bibliotecas e outras entidades culturais em todo o país) que permitem à Acesso Cultura realizar cursos, debates e seminários, através da cedência de espaço. A lista é extensa, mas todas elas têm o nosso profundo agradecimento. Não temos dúvidas que teríamos conseguido muito pouco se não fossem estes parceiros.  Graças a eles, temos realizado:

  • Muitos cursos de formação, em vários pontos do país, dirigidos aos profissionais do sector, assim como formações internas, a pedido de diversas organizações culturais;
  • Em 2019, introduzimos o formato do seminário, através do qual procuramos explorar com os nossos colegas temáticas mais políticas relacionadas com o acesso à participação cultural. Até ao momento, foram organizados cinco: Cultura e Direitos Humanos; O que o Brasil tem para nos dizer: práticas artísticas e de participação; Como se vê negro? A presença negra na cultura em Portugal; Descolonizar os museus: isto na prática?; Queer? Narrativas LGBT em museus portugueses
  • debates públicos, que neste momento se realizam em oito cidades diferentes (Castelo Branco, Évora, Faro, Funchal, Lisboa, Ponta Delgada, Porto, VN Famalicão);
  • Uma conferência anual, onde se abordam temas diversos relacionados com o acesso (redes sociais, linguagem clara, arquitectura, projectos participativos, open access, o património LGBTQI+ – consultar o arquivo no nosso website);
  • Diagnósticos de acessibilidade (Teatro Nacional D. Maria II, CCB, Casa Fernando Pessoa, LU.CA Teatro Luís de Camões, Museu Nacional Ferroviário) e outras consultorias para a implementação de serviços de acessibilidade na programação cultural (Fundação Calouste Gulbenkian, Indie, Doclisboa, Rota do Românico, entre outros);
  • estudos e publicações disponíveis online: Patricipação: partilhando a responsabilidade (2016); House on Fire at Maria Matos Municipal Theatre: Qualitative evaluation of some initiatives presented by the network (2017); A Inclusão de Migrantes e Refugiados: o Papel das Organizações Culturais (2017); Além do Físico: Barreiras à Participação Cultural – Um Périplo pelas Comunidades Intermunicipais de Portugal (2018).

Seis anos depois, qual o ponto da situação?

  • Não há dúvida que temos no terreno colegas muito conscientes em relação ao que constitui barreira à participação cultural. Estão a ser desenvolvidos projectos com grande impacto (alguns dos quais têm recebido o Prémio Acesso Cultura, sendo este o nosso contributo na criação de maior visibilidade para as boas práticas). É graças a estes colegas – que ocupam diferentes postos nas hierarquias internas das organizações culturais – que a Acesso Cultura conseguiu trabalhar em múltiplas melhorias e também introduzir algumas práticas novas em Portugal.
  • Dito isto, sentimos muito a falta de envolvimento de quem tem capacidade e poder para decidir. Os directores dos espaços / directores artísticos / conselhos de administração / vereadores da cultura raramente se juntam aos momentos de reflexão criados (cursos, seminários, debates, conferência anual). Assim, muitas vezes, por se estar a pensar com sensibilidades e conhecimentos de causa diferentes, a primeira barreira é a barreira interna – algo repetidamente referido durante as jornadas Além do Físico.
  • A questão da mentalidade é aqui central. Nem todas as melhorias envolvem investimento financeiro. Claro que muitas (sobretudo as que têm a ver com o acesso físico) não se fazem sem dinheiro. E mais uma vez aqui, tivemos a oportunidade de confirmar que os nossos colegas estão muito conscientes do que é preciso fazer (o que resultou em inúmeras candidaturas de entidades culturais à linha de financiamento do Turismo de Portugal para o turismo acessível). No entanto, muitas outras melhorias não passam por este tipo de investimento. Passam por uma outra forma de olhar para o que fazemos e o como o fazemos. Somos responsáveis por inúmeras barreiras psicológicas – por exemplo, a forma como comunicamos convence as pessoas que “esse lugar não é para mim”. Mas existem outras barreiras, sociais e intelectuais. É preciso ficarmos conscientes da sua existência, olharmos para a forma como trabalhamos e adaptarmos as nossas práticas. Consideramos que não serão as entradas gratuitas ou os conteúdos digitais, que aparecem sempre como medidas óbvias e primeiras, que vão permitir ultrapassar estas barreiras.
  • Uma outra questão que deveria preocupar-nos é que, tal como acontece noutros países, somos um sector muito pouco representativo da sociedade. Ao mesmo tempo que nos esforçamos para atrair o que chamamos “novos públicos”, parece passar despercebido o facto de que entre estes “novos públicos” poderá haver pessoas que, tendo a oportunidade, poderiam considerar uma carreira na área da cultura, trazendo para o sector múltiplos olhares e outras, novas, histórias. Deveremos questionar-nos: quem dirige os espaços culturais em Portugal? Quem trabalha na Comunicação e nos Serviços Educativos? E nas equipas técnicas? Quem faz exposições, escreve peças de teatro, cria espectáculos de dança, faz cinema? Quem tem voz no sector cultural e quais as vozes que falta ouvir? A Acesso Cultura procurou abordar algumas destas temáticas nos seminários propostos este ano e continuará a fazê-lo.

Por último os nossos espaços físicos e o acesso à nossa programação.

  • São muitos, demasiados, os espaços culturais em Portugal que ainda não cumprem a lei da acessibilidade. Somos muitos os responsáveis por isto: arquitectos, projectistas, Câmaras Municipais (com o dever de passar licenças de utilização e de fiscalizar), entidades públicas (Direcção-Geral das Artes, Inspecção-Geral das Actividades Culturais, Instituto Nacional para a Reabilitação). Temos que fazer o nosso trabalho. Não pode haver mais projectos para novos ou renovados espaços culturais que não incluam, como devem, o plano de acessibilidades. Não podemos continuar com espaços “somente para brancos”, como se fazia no Apartheid.
  • Dito isto, os directores dos espaços e as tutelas devem zelar pelo cumprimento da lei. Não se trata de uma opção, trata-se de uma obrigação.
  • Da mesma forma, contamos com a colaboração dos programadores (de festivais, bienais e de outras iniciativas): pedimos para não continuarem a programar em espaços que deixam cidadãos de fora. Isto é contribuir para a discriminação.
  • É muita a oferta que ainda não é acessível. Os serviços de interpretação em Língua Gestual Portuguesa, de audiodescrição, as sessões descontraídas são pouco usados em museus, teatros, cinemas e concentrados sobretudo em Lisboa e no Porto.

O acesso pressupõe uma postura pró-activa de todos nós: de quem trabalha no sector cultural, de entidades públicas e privadas que o tutelam ou que com ele colaboram, e dos cidadãos. Temos de ser exigentes e críticos (assim como auto-críticos). O acesso não diz respeito apenas a alguns, é preciso um esforço colectivo.

Nas palavras de uma colega nossa, “Há muitas pessoas, demasiadas pessoas, fechadas em casa por serem diferentes.” A Acesso Cultura continuará empenhada na promoção do acesso – físico, social, intelectual – à participação cultural. Para que as pessoas possam sair de casa, para que possam sonhar, sem barreiras, sobre o que querem ser, onde querem estar, o que querem fazer. Trabalhamos para que a diferença se torne um dia mainstream.

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