No dia 11 do Novembro, a nossa associada Cláudia Almeida representou-nos no debate organizado pela Ordem dos Arquitectos e a Accessible EU Portugal, intitulado “A revisão do DL163/2006, uma oportunidade para promover a acessibilidade”. Agradecemos muito este convite, assim como o trabalho que está a ser realizado. É com gosto que partilhamos as nossas notas sobre este tema, preparadas também com a ajuda da nossa associada Joana Reais.
O que nos diz a nossa experiência no terreno?
- A lei neste momento parece ser vista mais como uma recomendação do que uma obrigação. Quem quiser, implementa.
- Edifícios culturais novos ou a realizar obras de reabilitação não apresentam, como devem, plano de acessibilidade. No caso de obras em edifícios nacionais ou municipais, é emitida a licença assumindo que a lei será implementada, o que em muitos casos não se verifica.
- O contacto da nossa parte com espaços culturais (e com municípios) que não cumprem parece iniciar um confronto. Não parece estarmos do mesmo lado, com a mesma preocupação de criar condições de acesso. Ou não recebemos qualquer resposta ou recebemos respostas defensivas (“mas temos licença, está tudo bem…”). Já vimos que a existência de licença não é prova de que está tudo bem.
- No caso dos edifícios históricos, a excepção prevista na lei é constantemente usada como desculpa para nem sequer se procurar soluções. Mas a lei não diz para não as procurarmos.
- Estamos numa constante negociação para garantirmos os mínimos estipulados pela lei. Mas a lei dá-nos mesmo os mínimos. O que nos impede de irmos além dos mínimos, quando podemos e quando queremos acolher bem as pessoas? A lei, por exemplo, não contempla as necessidades de pessoas de estatura mais baixa, com deficiência visual, S/surdas, neurodivergentes. Não deveremos criar condições de acesso para essas pessoas?
- Parece que o problema é nosso, das pessoas com deficiência, porque não reclamamos, não abordamos a pessoa certa ou não redigimos e-mails suficientemente explicativos e não da sociedade portuguesa (da qual todos fazemos parte) e do próprio Estado, que é o primeiro a não cumprir;
- Ainda sobre a questão das “reclamações”, através da qual parece que querem devolver a responsabilidade e até a fiscalização para as próprias pessoas com deficiência, é de referir que de 10 reclamações que uma pessoa faz, obtém 3 respostas e, dessas 3, só 1 origina um actual pedido de desculpas (60% das vezes) ou uma real adaptação que funcionará por tempo determinado (40% das vezes).
- Não há fiscalização eficaz, muito menos multas. As pessoas são encorajadas a apresentar queixa em tribunal. Sabemos quanto tempo isto pode levar. Será mesmo a solução? Quanta energia exigimos às pessoas com deficiência para reclamarem sobre… tudo? Não seria mais fácil e respeitoso cumprir a lei?
- Já nos habituámos a pensar estas questões em relação ao público. Mas o que podemos dizer em relação às pessoas com deficiência que são profissionais da cultura e artistas? Quais as condições em gabinetes, copas, WCs, camarins, etc? A lei diz respeito também ao nosso local de trabalho.
- No caso dos profissionais e dos artistas, os hotéis fazem também parte da sua vida. É muito comum em Portugal os hotéis afirmarem ter quartos acessíveis (e com licença) que não são acessíveis.
- Muitos arquitectos e engenheiros não têm conhecimentos e informação actualizada para implementar a lei da acessibilidade. O problema começa nas faculdades de arquitectura, onde a acessibilidade não constitui matéria. Depois, apenas aqueles arquitectos e engenheiros que queiram estar informados têm conhecimentos actualizados sobre soluções possíveis. E estes são muito poucos.
- Isto significa que, em muitos casos, após o investimento numa obra, tem de haver um investimento adicional para fazer um diagnóstico de acessibilidade e implementar correcções. Quando tudo poderia ter sido pensado de raiz para ser acessível, sem necessidade de investir mais.
- Sempre que o Estado Português redige um novo regulamento ou aplica revisões legais, vigora um prazo de 10 anos de aplicabilidade das novas orientações = para mim é bastante claro que a intenção não é realmente eliminar as barreiras de norte ao sul do país, mas ‘empurrar com a barriga’ por mais 10 anos… e mais 10… Quanto tempo mais, na vossa opinião, deveremos esperar para poder viver a nossa vida e vivê-la com dignidade? Porque, o que as pessoas com deficiência querem não é nem desculpas, nem ajustes, nem integrações, nem socorro, nem caridade. O que as pessoas com deficiência querem é viver com dignidade em Portugal.
O que devemos esperar do futuro e da revisão da lei?
- Sabemos que há necessidade de actualizar uma série de pontos no actual DL e de esclarecer outros.
- Ao mesmo tempo, os membros do grupo de trabalho deverão colocar a si próprios a seguinte pergunta: Quais as razões porque o actual DL não tem sido aplicado e não tem sido aplicado com rigor? Caso contrário, para que precisaríamos de um novo DL, se as leis não são para ser cumpridas? Mais valia pensar em dar reais condições de trabalho a quem compete fazer a fiscalização, uma fiscalização rigorosa e com multas efectivas.
- No entanto, na nossa opinião, deveríamos todos ambicionar uma abordagem radical, colocando a dimensão humana no centro das decisões e dos compromissos a serem assumidos. Uma abordagem radical, em que tudo se pense de raiz para ser acessível. E, se não o puder ser, que se justifique porque não. A acessibilidade não pode continuar a ser uma escolha, uma recomendação, um favor que se faz quando se quer. Tudo acessível, porquê não? Todas as pessoas, com e sem deficiência, beneficiariam. Isto já sabemos… Se não formos mais radicais e empenhados, daqui 20 anos voltaremos aqui para discutir as mesmas questões.

