Get Art–Associação Regional para a Promoção e Gestão Cultural
Pelo Programa de Residências Artísticas-A.T.I.T.U.D.E. #ArtForChange
Promover a inclusão social não é tarefa fácil. Os apoios são escassos, o trabalho a desenvolver é, por vezes, hercúleo. Alcançar e desenvolver projectos que tragam para o centro da sociedade e da cultura populações alvo de frequente exclusão – como, por exemplo, pessoas com deficiência física, cognitiva ou visual – requer conhecimento especializado e muita dedicação, em particular nos Açores, onde ainda existem tantas bolsas de pobreza.
A inclusão social através da arte – eixo central das Residências e do Guia de Boas Práticas – tem vindo a ganhar reconhecimento em várias zonas do país e do estrangeiro, por se ter demonstrado que o acesso democrático ao teatro; dança; música e artes visuais funciona como estímulo sensorial e cognitivo de expressão individual e relacionamento colectivo, contribuindo para o bem-estar das pessoas incluídas nestas iniciativas e até para o alargamento do próprio conceito de Arte.
Reconhecemos, pois, o valor do trabalho da Get Art nesta matéria e reconhecemos, igualmente, a capacidade desenvolvida no estabelecimento de redes de contacto interdisciplinar entre escolas, IPSS’s, Governo Regional e Gulbenkian, de modo a garantir a sustentabilidade do projeto. Esperamos que a atribuição deste prémio possa contribuir para a continuação do vosso trabalho, de modo a poderem alcançar, em breve, as restantes ilhas Açoreanas, para benefício das pessoas marginalizadas e da sociedade em geral.
Associação de Amigos do Coliseu do Porto
Pelo projecto “ELO”
A primeira edição do “ELO” surge no final de 2023, com o Serviço Educativo do Coliseu do Porto e a Irmandade dos Clérigos a pretenderem unir diferentes disciplinas artísticas (música, teatro, dança e storytelling) a diferentes pessoas, muitas vezes excluídas. Assim, juntaram artistas e públicos bastante diversos, tais como séniores e pessoas com deficiência institucionalizadas, alunos e professores de uma Escola TEIP – Território Educativo de Intervenção Prioritária – o Agrupamento de Escolas Pêro Vaz de Caminha e, ainda, reclusos, guardas e técnicos do Estabelecimento Prisional do Porto num grande projecto colaborativo que atravessou territórios, memórias e práticas artísticas, ultrapassando barreiras físicas, sociais, económicas e intelectuais.
É em 2024, após nove meses de visitas guiadas, partilhas e recolha de histórias, convívio, aulas e ensaios, que sobe ao palco do Coliseu este grupo heterogéneo, todavia unido por uma nova visão de futuro, na qual arte, integração e educação se tornaram os alicerces do seu sucesso.
O júri premiou o projecto sócio-cultural “ELO” devido ao enorme potencial artístico, de transformação e de capacitação das várias comunidades envolvidas, ousando abrir portas sistematicamente fechadas, aplaudindo a sua perspectiva de continuidade e de democratização cultural na Área Metropolitana do Porto.
André Murraças
Pelo projecto “O Museu Fora do Armário”
O termo inglês queer (em português «estranho», «questionável», «desviante») surge, inicialmente, como uma designação pejorativa para homossexual. A partir da década de 1990, começa a ser reclamado de modo afirmativamente positivo por todos os que não se identificam com a normatividade heterossexual. Actualmente, é uma expressão acolhida pelo universo académico – através da Teoria Queer ou dos Estudos Queer – e adoptada pela comunidade LGBTQ+, que a tem vindo a ressignificar. No mundo artístico, o conceito queering propõe uma reinterpretação das obras de arte, pondo em discussão questões de género e de sexualidade reveladoras de significados anteriormente ocultos por tabus sociais. Ainda assim, há quem considere a palavra queer ofensiva em todo e qualquer contexto.
Daí que o júri desta premiação tenha considerado o projecto de André Murraças “O Museu Fora do Armário” uma iniciativa sintomática de uma sociedade progressista, saudável e plural. As releituras de obras artísticas propostas por André Murraças e presentes em alguns (poucos ainda) museus portugueses, dão a conhecer importantes histórias inacessíveis: as de pessoas cujas vidas não foram vividas na sua plenitude, as de luta e activismo por uma sociedade equitativa e livre, as de objectos artísticos perdidos em reservas museológicas. Usando os museus como mediadores, André Murraças oferece ao grande público um contexto social ampliado, nomeia artistas e traz novos significados a obras, traçando uma necessária historiografia queer nacional, que nada mais é do que uma ilustração da riqueza e diversidade humanas.
Pelo carácter disruptivo, ousado e inédito do projecto “O Museu Fora do Armário” no panorama museológico português – por dar visibilidade a tantos actores invisíveis e por ajudar a eliminar barreiras sociais, atitudinais e de opressão – é com entusiasmo que o júri atribui a André Murraças o Prémio Acesso Cultura – Mickaella Dantas 2025.
Menções Honrosas
Companhia de Teatro Gato Escaldado
Pelo projecto “DIVA: Diversidade, Inclusão e Visibilidade nas Artes”
O reconhecimento atribuído a este projecto justifica-se, em primeiro lugar, porque nele se incluem vertentes de políticas culturais de inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiência, a par de uma especial referência à inclusão de públicos e artistas de diferentes origens sociais e diferentes identificações de género.
A dimensão, igualmente significativa no contexto social mundial, de inclusão de actividades teatrais, nomeadamente a peça “As Troianas”, que invocam a reflexão sobre os perigos da guerra e das suas consequências no sofrimento de mulheres e crianças, foi também valorizada (como não relacionar com o genocídio em curso, em Gaza…).
Outros aspectos considerados relevantes foram: a inclusão de artistas com deficiência e a sua apresentação na digressão internacional; a capacidade de envolvimento de um consórcio relevante (Portugal, Grécia e Polónia); a produção de apresentações que permitem alcançar outros públicos, através da inclusão da língua gestual e da audiodescrição. E, por último, mas não menos importante, a incorporação de práticas ecológicas, ainda subvalorizadas na elaboração de projectos, como as apresentações que evitam a dependência de energia eléctrica e com recurso a guarda-roupa em segunda mão.
Museu da Chapelaria
Pelo Fraldário Acessível
As famílias têm direito a usufruir de espaços culturais e a levar bebés. Um pai tem o mesmo direito que uma mãe de trocar a fralda a um filho. Pais e mães com deficiência também. Ao mesmo tempo, pessoas de todas as idades usam fraldas e precisam de espaços que tenham isso em conta.
Tudo isto parece óbvio, certo? Mas práticas enraizadas parecem mostrar-nos o contrário.
O fraldário acessível – e sem género associado – é uma forma de reconhecer todas estas realidades. É uma defesa simples, direta e necessária de equidade. É um manifesto silencioso e justo pelo direito à parentalidade e sexualidade de pessoas com deficiência e incapacidade; pelo acesso digno a fraldários — sem limite de idade, sem género específico — e pelo pleno usufruto da cultura.
O júri atribuiu uma menção honrosa ao Museu da Chapelaria por esta iniciativa inovadora em Portugal. Esperamos que mais organizações sigam o seu exemplo — porque, tal como os chapéus, os espaços culturais podem (e devem) ser feitos para diferentes formatos.
Óscar Pedrosa Unipessoal
Pela Desmuro Editora
Há quem escreva e veja o seu trabalho pago a cêntimos. Há quem ilustre e não seja devidamente reconhecida. Há quem publique e se veja forçada a aceitar práticas que silenciam.
A Desmuro mostra-nos que um livro pode ser um gesto político de justiça. Nasceu em 2024, com a ideia de um processo de edição atento e partilhado, cocriando os seus livros com as autoras. Cada publicação nasce de escuta e diálogo entre os envolvidos.
Na prática, isso traduz-se numa política clara e corajosa: 20% do preço de capa é pago à autora, outros 20% à artista visual, e todas as pessoas envolvidas na produção recebem de forma justa. Os livros são distribuídos exclusivamente em livrarias independentes, com condições de consignação e margens éticas.
As publicações da Desmuro são também distribuídas gratuitamente em bibliotecas municipais, sociais e prisionais, muitas em zonas do interior, onde o acesso à leitura é mais frágil. A distribuição é feita com o envolvimento das autoras, com especial atenção à discrepância entre litoral e interior.
O júri distinguiu este projeto com uma menção honrosa pela sua coerência, ética e compromisso com a democratização da cultura.
Tita Maravilha
Précarias: Festival de Performance
Contrariando estatísticas, silenciamentos, dispositivos de opressão e de exclusão, Tita Maravilha apresenta o festival de performance PRECÁRIAS por e para pessoas artistas “trans, queer, travestis, não-binárias, não-brancas, mulheridades e imigrantes” interessadas em questionar estruturas de poder, em criar novas linguagens e em dar visibilidade a histórias e a corpos marginalizados.
O PRECÁRIAS desafia o paradigma institucional, expondo a precariedade sistémica, não enquanto subterfúgio ou vitimização, mas como motor de criação de estruturas de apoio político, financeiro e de cuidado para com estes corpos reprimidos, dissidentes e diaspóricos – corpos que programam a sua sobrevivência, que inventam espaços seguros de exploração artística, que ousam ser felizes.
Por ser mais do que uma mostra de performance; por ser um grito de coragem e de resistência; por ser uma comunidade que também é um festival; por promover o direito à cultura como prática de justiça social, garantindo acessibilidades físicas, sociais e comunicacionais; por escancarar portas e abrir novos caminhos; por tecer redes de solidariedade e de afecto; por oferecer dignidade de coração cheio e bolsos vazios; por tudo isto, o júri decidiu atribuir uma menção honrosa a Tita Maravilha pelo “PRECÁRIAS: FESTIVAL DE PERFORMANCE” como reconhecimento do mérito e da pertinência do projecto e, ainda, como estímulo para a sua longevidade e prosperidade.
O júri
Cristina Santinho, Investigadora, CRIA.Iscte-IUL, Doutorada em Antropologia
Isabel Bastos, Historiadora de arte e Museóloga
Joana Reais, Cantora e Pesquisadora Artística e membro da Direcção da Acesso Cultura
