Os projectos apresentados na edição de 2019 do Prémio Acesso Cultura foram reveladores de iniciativas dinamizadas em todo o território nacional, que se destacam pela consciência social e pela valorização humanística e comunitária da cultura nas sociedades do presente.
As diversas iniciativas e manifestações culturais resultantes dos projetos a que o júri teve acesso constituem-se, globalmente, como modelos que proporcionam a expansão de capacidades a partir do potencial de cada indivíduo através do acesso a experiências de formação, criação e fruição que contribuem substancialmente para a sua afirmação positiva enquanto participantes ativos na sociedade.
Todos os projetos apresentados ao júri nesta edição merecem por isso um reconhecimento de mérito pelos seus princípios orientadores e iniciativas preconizadas. Deste conjunto, revelador de um compromisso efetivo com o acesso à cultura, destacaram-se seis candidaturas pela qualidade, originalidade e sustentabilidade com que promovem a integração activa de pessoas sujeitas à exclusão devido a factores físicos, sociais ou intelectuais. Assim o júri deliberou em 2019 atribuir quatro prémios e duas menções honrosas.
PRÉMIO ACESSO CULTURA 2019 – ACESSO INTEGRADO (físico, social, intelectual)
Museu Nacional de Machado de Castro
Com significativo historial de inovação, o Museu Nacional de Machado de Castro é um caso exemplar, onde medidas técnicas e projectos culturais cumprem o objectivo de acesso à cultura consagrado na Declaração universal dos Direitos Humanos e plasmado na Constituição da República. Sendo uma entidade nacional, de gestão pública e para o público, transformou a responsabilidade legal em identidade própria, que lhe merece distinção e louvor.
Assim, projectos de acessibilidade física, intelectual e social sucedem-se e complementam-se ao longo de vários anos, provando ser eficazes na inclusão de mais pessoas, na consciencialização da cultura e da cidadania, em proporcionar encontros intergeracionais, qualidade de vida e bem-estar, e a disponibilizar conteúdos e espaços do Museu, em diferentes sistemas, como é sua missão enquanto mediador.
Neste quadro contam projectos dedicados a públicos com deficiência visual; jovens reclusos; pessoas com perturbações cognitivas e cuidadores informais; pessoas sem-abrigo e mulheres em reinserção; pessoas com perturbações do espectro do autismo. Uma nova estratégia para a acessibilidade intelectual e social tem sido desenvolvida com guiões acessíveis (em comunicação aumentativa) das obras de arte para este público.
PRÉMIO ACESSO CULTURA 2019 – ACESSO SOCIAL E INTELECTUAL
ondamarela
Os projectos desenvolvidos pela ondamarela apelam à participação efectiva das populações nas actividades artísticas guiadas, que cruzam o conhecimento académico com a experiência vivencial. Trata-se de actividades que estabelecem uma nova relação entre as comunidades e o bem patrimonial, fruto de residências artísticas, que formam uma ponte entre comunidades específicas e a criação artística.
A ondamarela procura pôr em prática o direito primordial de todos os cidadãos à cultura. No projecto que desenvolveu com o Festival Tremor (nos Açores) esta integração foi muito evidente no caso da comunidade Surda: tanto do ponto de vista performativo, como do ponto de vista do movimento e do modo gramatical como a comunidade Surda usa a sua língua, como divide e mima as palavras, como diz e não diz.
O júri entendeu que a distinção e divulgação deste projecto contribuirá para contaminar outras instituições culturais no acesso de comunidades sujeitas à exclusão, reconhecendo as suas identidades culturais e linguísticas próprias, de forma a ultrapassar limitações e a centrar acção naquilo que cada um tem de melhor para dar.
PRÉMIO ACESSO CULTURA 2019 – ACESSO SOCIAL
Espaço t – Associação para o Apoio á Integração Social e Comunitária pelo projecto “Palcos para a Inclusão”
O projecto “Palcos para a Inclusão” constitui um trabalho artístico desenvolvido e realizado pelos alunos do Espaço T (pessoas com deficiência física ou mental) e apresentado a crianças, jovens e adultos em diversas situações de vulnerabilidade social, residentes em bairros ou habitações sociais nos concelhos do Porto, Trofa e Maia. Esta iniciativa resulta, assim, no combate à discriminação e na valorização do potencial criativo de cada criança, jovem e adulto, independentemente das suas capacidades físicas ou psicossociais, melhorando a sua autoestima e o seu auto-conceito.
O potencial inerente a este projecto determinou o destaque do júri por trazer implícita a criação de mudanças individuais e sociais através do enquadramento do indivíduo em actividades artístico-culturais e/ou formativas, que estimulam as capacidades expressivas e o desenvolvimento próprio, bem como, a aceitação da diferença pela sociedade.
PRÉMIO ACESSO CULTURA 2019 – ACESSO SOCIAL
Associação de Dança e Desenvolvimento Social de Leiria pelo projecto “SOMA”
Através da dança inclusiva, o projecto SOMA adquiriu um lugar exemplar nas práticas que promovem o acesso à cultura a pessoas com deficiência física e intelectual e às comunidades locais. Desde 2014, proporciona o desenvolvimento de competências e, por via de protocolo com várias entidades, chega a diversos públicos: crianças em risco psicossocial ou em situação de vulnerabilidade social; crianças com multideficiência; jovens e adultos com deficiência visual e intelectual; e ainda, a população sénior institucionalizada. Oferece aulas gratuitas de dança inclusiva, onde pessoas com e sem deficiência podem participar na criação e interpretação que culmina em espetáculos da comunidade.
O projecto SOMA coloca o corpo e o movimento no centro de oportunidades de expressão, superação e afirmação efectivas, convocando múltiplas dimensões da dança como o contacto físico, os elementos auditivos e visuais, e a perceção do espaço. Sendo preconizado por uma associação cultural, a Associação de Dança e Desenvolvimento Social de Leiria, representa uma sociedade civil motivada e activa para a mudança e a garantia de direitos humanos. As formações nas áreas da dança inclusiva e terapia pelo movimento asseguram ainda a transmissão de conhecimentos relevantes para disseminar boas práticas e sobre quem delas beneficia.
MENÇÃO HONROSA
Sociedade Artística Musical dos Pousos pelo projecto “Ópera na Prisão”
A Sociedade Artística Musical dos Pousos (SAMP) é uma Instituição de Utilidade Pública fundada em 1873. Para além da Filarmónica, corpo histórico da instituição, de uma Escola de Artes com ensino oficial de Música, e de várias formações corais e instrumentais, a SAMP desenvolve, em parceria com diversas instituições e órgãos do Estado, um vasto leque de programas nos âmbitos da Formação, Musicoterapia e Terapias Expressivas.
De toda a atividade da SAMP, destaca-se o projecto Ópera na prisão, que tem vindo a ser desenvolvido desde 2004 de uma forma regular e sustentada, e que foi pioneiro a nível nacional, constituindo-se como referência. Este projecto assume uma forte intervenção social através dos vários programas que desenvolve no âmbito dos efeitos terapêuticos das artes.
Depois de ser distinguido em 2016 com um prémio de acessibilidade social, o júri volta a distinguir este projeto, através de uma menção honrosa, visando o reconhecimento da continuidade deste projeto que, em 2018, teve como celebração pública exponencial o espectáculo “Só Zerlina, ou Così Fan Tutte?”, onde a participação da comunidade foi mais profunda. No quinto ano desta nova fase, o foco de “Ópera na Prisão” incidiu sobre as famílias dos reclusos. Além dos 40 detidos envolvidos, também 60 familiares trabalharam com a SAMP fora do contexto prisional e, consequentemente, os reclusos renovaram a sua voz em plena dignidade junto das instituições.
MENÇÃO HONROSA
Museu Henrique e Francisco Franco
O Museu Henrique e Francisco Franco promove a divulgação e estudo das obras dos irmãos madeirenses modernistas, o pintor Henrique Franco e o escultor Francisco Franco. Salientam-se as várias iniciativas relacionadas com o serviço educativo e com a promoção de artistas plásticos locais (permitindo-lhes acesso aos recursos institucionais), que estimulam e fomentam o gosto pela arte e a consciência patrimonial, envolvendo visitas guiadas, actividades temáticas e ateliers de expressão plástica.
A Menção Honrosa atribuída pelo júri valoriza as medidas inclusivas implementadas no espaço do Museu, que se revelam facilitadoras no acesso aos conteúdos através da instalação de sistemas de áudio e videoguias, que possibilitam a visita autónoma aos visitantes com deficiência visual (graças à audiodescrição) ou aos visitantes Surdos (com a interpretação em Língua Gestual Portuguesa). Neste reconhecimento residem os votos de sucesso e continuidade da implementação destas acções que valorizam medidas específicas para o acesso à cultura.
O Júri:
Nuno Santos
Paula Varanda
Susana Machado
17 de Junho de 2019