Sabem aquelas pessoas que entram num espaço e parece que tudo fica bem? Que o mundo se cura automaticamente e fica mais luminoso no meio da escuridão a que estamos habituados? Era assim a Mickaella.

Infelizmente não cheguei a ter o privilégio de a chamar de amiga, a nossa vida cruzou-se poucas vezes, mas há um episódio que gostava de partilhar convosco.

Tinha acabado de regressar à faculdade de Teatro, após ter sido amputada e ter perdido a fé em regressar ao mundo artístico. A Mickaella foi convidada pela gentil Patrícia Portela a vir partilhar com a turma o seu percurso artístico. Trocámos muita conversa: sobre onde já dançou, as dificuldades de viver num mundo artístico onde o corpo partido nem sempre é bem-vindo, a força que era sair da cama nos dias mais complicados, mas que o fazia sempre. Até que ela nos mostrou um vídeo maravilhoso onde dançou para a promoção dos jogos paraolímpicos do Rio em 2016, é um vídeo onde a deficiência é celebrada de uma maneira muito bonita, onde se juntam músicos, atletas, artistas, para celebrar a diversidade que o corpo pode ser, diversidade que contém tanta beleza na ferida. Vídeo esse que vi e revi no hospital, como forma de não me sentir tão só num acontecimento que parecia tão meu, apenas meu, vídeo esse que na altura não fazia ideia que era a Mickaella a dançar.  Num momento onde me sentia solitariamente única, num mundo que não me compreendia, a Mickaella estendeu-me a mão e mostrou-me que era possível, que não estava sozinha e que eramos muitos e fortes. Era assim a Mickaella.

Apesar de não ter tido o privilégio de a chamar de amiga, sabia que era alguém que estava sempre do outro lado, disponível para me ouvir e sempre com uma palavra amiga. Nas ansiedades de ser uma pequena num mundo gigante, a Mickaella nunca hesitou em dar-me força, e mostrar-me que erámos muitos e que erámos fortes. A Mickaella era assim.

A última vez que estivemos juntas, bebemos um café, falámos muito sobre coisas frívolas, sobre o setor, sobre o impacto de sermos positivos relativamente a momentos maus, sobre a vida e sobre futuro. Era assim a Mickaella.

A Mickaella lutou muito por si e por nós. Dança desde que se conhece gente e simplesmente não parou de dançar. A Mickaella abriu-nos muitas portas, eu não sei quem eu seria se não fosse a Mickaella e tantos outros bravos que escancararam portas para que pudéssemos voar. Apesar de não termos estabelecido que eramos amigas, a Mickaella será sempre uma pessoa fundadora para mim, com uma generosidade ímpar e resiliência inigualável. Para mim será sempre minha amiga, mesmo sem o termos definido juntas, só gostava de lhe ter dito tudo isto enquanto tinha tempo. A Mickaella pode já não estar connosco fisicamente, mas o seu legado viverá para sempre enquanto nós estivermos por cá. Obrigada, Mickaella, por tudo, o mundo teve muita sorte de te ter conhecido.