Lisboa, Teatro Nacional D. Maria II, 20 de Junho de 2022
Porto, Teatro Municipal do Porto – Rivoli, 22 de Junho de 2022
Introdução
Há poucos dias, recebemos um email de uma pessoa com deficiência que acompanha o nosso trabalho e que escreveu a propósito deste debate:
“Por vezes, só se colocam certas questões quando se está fora do quotidiano do universo das pessoas com deficiência e das suas experiências de vida.
- A razão mais directa é o facto de as PcD necessitarem de apoios (familiares ou outros) para se deslocarem aos locais dos eventos.
- Segundo motivo, temos o factor económico, porque para uma grande maioria de famílias, as despesas com a deficiência diminuem os recursos para usufruir das ofertas culturais.
- A terceira causa é a invisibilidade das PcD para as/os próprias/os promotores, gestores, curadores, etc., etc., das instituições culturais. Aquilo que não se vê, não existe. E se pelo menos 40% das PcD são consideradas não autónomas, estamos a falar de milhares de possíveis consumidores culturais que ficam assim afastados do mundo cultural.”
Esta pessoa tem muita razão no que diz. E podemos acrescentar, por experiência, mais alguns factores:
- Um défice de participação cultural em geral
- Falta de comunicação (também falta de comunicação alternativa, por exemplo, em LGP)
- Ao mesmo tempo que se investe muito na promoção da LGP, esquecemos que há pessoas surdas que não falam LGP (portanto, falta legendagem em português)
- Há programação muito diversa, para diferentes gostos, mas há também espectáculos onde toda a gente está e que não são acessíveis (Rock in Rio, Pequena Sereia….)
- Não há bons e acessíveis transportes públicos, isto tem implicações (custos extra para a deslocação).
Identificados estes factores, devemos também ter consciência que as pessoas com deficiência e Surdas não são um grupo homogéneo. Assim:
- Há pessoas com deficiência que não precisam de acompanhante para vir, mas que não vêm.
- Há eventos de entrada livre ou descontos extensíveis muitas vezes ao acompanhante, e mesmo assim não vêm.
- Provedoria da Justiça considerou que cobrar um segundo bilhete aos Assistentes Pessoais é um acto discriminatório (carta na homepage da Acesso Cultura, nas Notícias).
- Há cada vez mais instituições culturais para as quais as Pessoas com Deficiência e Surdas não são invisíveis – mas que não têm público apesar do seu esforço e investimento.
Há questões maiores, que ultrapassam a Cultura e que não será esta (nós) a resolver – por exemplo, os transportes públicos.
Mas há também outras questões, específicas, que poderemos procurar em conjunto (Acesso Cultura, organizações culturais, associações e indivíduos) a resolver em conjunto.
O que tem feito a Acesso Cultura:
- Website Cultura Acessível (as associações poderiam ajudar a divulgar e ter um link permanente nos seus websites)
- Uma programação acessível variada nos espaços com os quais colabora.
- Contactos insistentes com espaços culturais que não têm programação acessível.
- Reencaminhamento e tratamento das queixas de pessoas com deficiência e Surdas em relação ao atendimento ou à falta de acesso à programação
Comentários e sugestões apresentadas durante o debate
Comunicação
- Quando existem recursos de acessibilidade, a indicação deve estar em todos os meios e plataformas de divulgação. Não se trata de informação a dirigir apenas a determinado público.
- As pessoas com deficiência e Surdas procurar espaços seguros. Várias experiências desagradáveis no passado mantém-nas afastadas.
Notas:
– Há espaços culturais com uma oferta permanente, regular e com formação. O que será preciso para fazer as pessoas com deficiência e Surdas a confiar nelas, a reconhecer que se trata de um empenho constante e permanente?
– Uma maior diversidade nas equipas dos espaços culturais (com a inclusão de pessoas com deficiência e Surdas) poderá ajudar a criar confiança?
- As associações que representam pessoas com deficiência e Surdas não ajudam na divulgação dos eventos culturais.
- A presença dos dirigentes das associações em alguns eventos culturais acessíveis, essencial do ponto de vista simbólico, contribuiria para a valorização do esforço feito pelas organizações culturais, daria maior visibilidade e ajudaria a criar confiança.
- A legendagem e o anel magnético são fundamentais no acesso de pessoas surdas não falantes de LGP e de pessoas com deficiência auditiva, que usam aparelhos ou implantes cocleares.
- A ACAPO | delegação Norte divulga por vários meios (circular impressa, mensagens curtas, presencial ou telefone), apoia as deslocações, agenda atividades.
Programação
- É importante, desejável, que as pessoas tenham escolha, que não sejam os teatros a decidir um dia específico para a sessão acessível.
Notas:
– Como poderemos sugerir aos teatros mais dias, se não há público para os dias existentes?
– A mostra de cinema AMPLA, com uma programação diversa e acessível, não teve público. Porquê?
– Nos museus onde os serviços existem em permanência, através de guias multimédia, também não há público.
- As pessoas com deficiência e Surdas querem ter acesso a exposições e espectáculos populares, das quais toda a gente fala, onde toda a gente está. Trata-se de espaços e produtoras que raramente se mostram disponíveis para discutir o acesso.
- As pessoas com deficiência e Surdas organizam os seus eventos culturais. Poderia ser também em colaboração com entidades culturais mainstream.
- Não há programação cultural para crianças com deficiência visual.
- No Porto, há pouca oferta cultural para pessoas com deficiência visual.
- Deveria haver mais preocupação na escolha dos espetáculos/peças para pessoas cegas: peças mais interessantes, com vozes, música. Caso contrário, sendo 100% visual, vira “uma cassete”.
- É necessário sensibilizar/ formar gestores culturais, encenadores, decisores para o que é a deficiência e necessidades específicas. É preciso entender o que implica e desmistificar. Exemplo: a acessibilidade não é apenas ter 10 minutos de LGP em palco por um actor, é a totalidade do espetáculo e todo o processo do antes durante e depois (concepção, performance/ apresentação, informação complementar, e convite para o que se segue).
Reforço da colaboração
- Apoio das associações na divulgação do website Cultura Acessível. Divulgação periódica nas redes sociais e um link permanente nos websites ajudaria a passar a palavra. O envio de conteúdos será também bem-vindo, quando as associações sabem de eventos culturais acessíveis.
Notas:
– Será o website Cultura Acessível de facto acessível, se a informação não é apresentada em LGP?
– Será realista pensar neste momento que uma agenda cultural, em constante actualização, poderia ser apresentada em LGP? Faltam os recursos financeiros e humanos? As associações de Surdos teriam a possibilidade de colaborar neste sentido?
- Apresentação de queixas à Acesso Cultura quando um espaço ou a sua programação não é acessível, o que ajuda a criar um primeiro contacto com as organizações culturais visadas. Podem ser enviadas para geral@acessocultura.org
- Maior colaboração na programação, no sentido de apresentar o trabalho de profissionais com deficiência e Surdos também em espaços mainstream.
- Maior abertura para colaboração entre ouvintes e surdos.
- Maior valorização da parte das associações da promoção da participação cultural e colaboração na criação de espaços inclusivos.
- Organização de visitas a museus ou idas a espectáculos com programação acessível pelas associações, nas quais as pessoas confiam. Assim será mais fácil entrar pela primeira vez num espaço desconhecido.
- Nem todas as pessoas com deficiência e Surdas estão ligadas a associações. Devemos trabalhar à volta do desafio de identificar as pessoas interessadas na Cultura (como público e como profissionais) para ter um contacto directo com elas.